06 julho 2013

EXAME DE VISTA

                                               Por: Paola Benevides
Os olhos ardem com as lentes de contato. Devem ser os resíduos externos querendo se comunicar, os ciscos que adentraram cavidades invisíveis em razão da higienização parca que a pressa deixa passar. Um corpo estranho banhado na ânsia indecisa de querer se adaptar ao novo ambiente e, caso este seja árduo o bastante, começa a querer se extirpar e lacrimeja feito bebê recém-parido, todo vermelho no canto, querendo enrugar. A diferença entre as gelatinosas e o prematuro é que este sente falta do ventre redondo. Aquelas almejam escapar pela beirada palpebral o quanto antes e, se possível, irem ao encontro do escoo da pia, a perderem-se das mãos do dono inábil e de tudo, sem piedade alguma, indo para o ralo. A não ser que, por algum milagre, elas se cansem de chorar, porque o choro lava, então se limpem e adormeçam por fim no globo ocular, vencidas pelo cansaço que o sofrimento tanto causa. Recolocadas, aos poucos deixam de fazer fungar, aquietando os dedos perfeccionistas por encaixes, nesse contínuo apontar e esfregar.

Sem tendências suicidas, a alma descansa em paz, embora o mais reles cochilo requeira a retirada das lentes. O trabalho já havia sido tão brutal anteriormente, que desconfortável seria começar um novo processo. Pior mesmo foi a estreia das lentes, quando os cílios tensos rebatiam qualquer entrada, tal freirinha engajada no fechar de pernas para Cristo. Porém, a benesse do hímen rompido no tiro de meta também fora inesquecível, porque regozijável na acoplagem. Sem incômodos nem miopia, por ora. ABCDEFGHijlmnopqRSTUVXYZ. Um, dois, três. Hora de despertar. O oftalmologista avisou que se ultrapassasse trinta minutos com os olhos fechados, a película de grau ficaria colada à pálpebra. Tantas recomendações provocam saudade dos óculos, que enfeiam, mas não apresentam maiores riscos de irritação. Cegar é preciso? A vida tem nos arregalado tanto do que não é necessário, que se não valesse a pena ler Borges ou Saramago, muita gente cegaria em branco. Tudo para enlarguecer os outros sentidos, ser mais humano, ter mais tato, olfato para dar. Quem não vê de fora, abre-se melhor por dentro.

Serão todos os cegos ateus, daqueles que afirmam só acreditar vendo? O olhar nublou o pensamento, operou as cataratas do Iguaçu jamais vistas. Antes de morrer, todo artista deveria assistir a um médium psicopictografando. Os poetas, para escrever, deveriam pingar colíricos e versejar com o espírito revigorado. A Lei de Talião deveria ser revista por outros vieses e o amor à primeira vista parar de fabricar reis em terra de cego. O ego não enxergado vira precipício. O pressuposto disso é queda. Por isso, vale a pena ajudar a atravessar ruas e sentir-se mais capaz que um cão-guia. A falsa impressão digital se perde quando se aprende a ler o Braille da vida.

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