21 fevereiro 2013

RASGOS

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Rasgos


Guardou a folha de papel com esmero, apesar de alguns rabiscos e borrões. Havia espaço para outras tantas escritas, outros rascunhos, outros desenhos em suas bordas e rodapés. Aquilo que lá estava, já impresso, não podia ser apagado, não se prestava ao esquecimento. O que, de quando em vez, acontecia eram rasuras. Os riscos eram uma tentativa de anulação, passando por cima para, então, tornar omisso. De nada adiantava, o encoberto só precisava de um pouco mais de atenção para descobrir-se. Tampouco a borracha foi capaz de exercer a função retroativa, tudo que tentava apagar permanecia em baixo relevo, feito pegada na areia, gravado no papel.

Depois do cansaço, tudo que lhe restava era guardar a folha. Mas isso já havia acontecido antes, só que a falta de esmero fez com que a folha voltasse depressa demais para a escrivaninha.

Dessa vez, o movimento de abrigar acompanhou a desistência de esquecer. Nada ali se esfacelaria. Colocou, com todo o cuidado, a folha dentro do armário, na prateleira de cima, escondida embaixo dos livros.

As lembranças costumam lhe assaltar e os desejos lhe surpreender, surgem vontades. E a folha, mesmo parecendo-lhe ter sido arrancado um pedaço, em sua inteireza, dá o tom para melodia que se quer tocar.


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