20 junho 2012

A UM LIVRO QUE NÃO SE DEIXA ESCREVER

Por Cecília Prada

Vem, Livro, senta aqui ao lado da minha cama, pega na minha mão, vem, eu não posso dormir de tanta tensão - tenho de te parir. Afaga a minha cabeça, me põe no colo - ou sou eu ‚ que te devo pôr no meu? Eu sou tua escriba. Você me usa para se expressar, impiedoso, ambíguo, quando quer, teu bel-prazer , se escorregando nas pontas - peixe ensebado , se negando, sem se entregar.Eu estou exausta.Você não podia vir se derramando sem mais frescuras, todo fluência e se contando?

Não. Você tinha de ser feito de pedra, como tudo. Livro-pedra no sapato. Queria te pensar gostoso, livro-sorvete, se derretendo no céu da boca, sorvete de limão no calor, chazinho quente no inverno. É assim que os livros bem comportados se comportam.Vai.Senta a¡ ao lado da cama,na minha madrugada insone. Vai me contando uma história, Livro. Pode ser a tua. Ou a minha, melhor. Sou toda ouvidos. (ah! isto o que eu queria ser, não mais a menina faladeira, a que fala pelos quatro cotovelos literários, mas a menina que escuta histórias imemoriais...)

E aí, depois de um breve silêncio, ouviu-se o rascar de um pigarro leve, depois, tímida, uma vozinha que parecia sair da estante (possível?) e que disse "...se não fosse Édipo e o casamento, o que haveria para se contar?" – era ninguém menos do que Roland Barthes, tentando ajudar a escritora a resolver um Ponto de Nó do seu relato autobiográfico.

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