RIFANDO MEU UMBIGO
Por Cecília Prada
Decididamente: de tanto
contemplá-lo, enjoei. Ele já me disse coisas demais. Que eu, sabida,
transformei em palavras - e ganhei com elas. Nos últimos anos, então, tendo
sido forçada a guardar território emprestado e precário (o porãozinho que
restou de meu castelo avoengo), sem ter muita companhia, não tive outro remédio
senão concentrar-me nessa parte útil, sem dúvida, mas pouco imaginativa, do meu
ser. E ouvi-lo de noite e de dia/ padre-nosso ave-maria.
E o que extraí dele...Ciscos e
mariscos, memórias e lorotas, solilóquios e circunlóquios (principalmente
estes), coisas de somenos e coisas só demais - enquanto o mundo vasto mundo
continuava a rolar e a roncar cada vez mais alto, lá fora.
Mas agora enjoei. Deve haver mais
coisas para se fazer, ó Senhor, do que
passar a vida toda e mais três meses a contemplar um mero buraquinho insosso
que fizeram quando nascemos, para nos marcar – para que não nos perdêssemos?
Para que nos reconhecêssemos como filhos de Adão e Eva?
Do umbilical domínio já saindo,
mais inteligente me pergunto: como podemos descender desse senhor e dessa
senhora, se justamente eles é que não tinham umbigo?...
Onde, em que altura da criação, de qual
genitor afinal herdamos esta marca de nosso ser vivente?
A história não está bem contada.
Não. Essa história, a da nossa criação, não está nada contada, ainda.
Só nos resta inventá-la.
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