15 abril 2012

COCA COLA FILOSÓFICA

Por Paula Miasato



Subimos. A mesa redonda sugeria um bate papo, sempre sugere, diariamente. Conheço meu espaço, sei o que ele proporciona. É instintivo. As pessoas apenas entram, e depois do meu sorriso simpático logo sentam e esperam ansiosamente pelo bate papo. Minha simpatia fez do espaço um consultório de psicanálise sem remuneração e sem hora marcada. Ler que é bom, nada. Assim como nos dias anteriores inevitavelmente foi.
Três horas da tarde e três pessoas ao redor da mesa redonda. As xícaras de café mal lavadas pela parceria do detergente barato e da bucha dupla face mais que usada e totalmente habitada por microorganismos. No centro da mesa uma garrafa de coca cola 600 ml e um saquinho de pão de mel comprados com moedas contadas do porta níquel da pobre psicanalista não remunerada. A garrafa suava ali no meio, aflita, esperando pelo seu fim. Eu devo ser simpática... Sorri e abri a garrafa. A aflição da filha da puta era tão intensa que ejaculou na mesa toda. Foi praticamente um ato suicida. Sorriram. Eu, desajeitada limpei a cagada.
Devo ser simpática... Notei uma mancha de batom em uma das canecas. É. Elas estavam mal lavadas pela parceria do detergente barato e da bucha dupla face mais que usada. Pronto! Foi parar logo na mão do cara da pochete! Que merda! A moça havia acabado de tomar café nela e seu batomzinho vermelho sangue carimbou seu lábio inferior na caneca e como a parceria da imundície predominava no local, seu beicinho ali havia ficado e foi parar logo na mão do cara da pochete, é o cara que vivia a coçar a virilha suada!
A moça de pele branca e lisa não notou. O cara da pochete (ou da virilha coçada) a pedido de sua barriguinha gorda de açúcar por falta de sexo logo carregou a caneca de coca cola. Socou um pão de mel na boca. Não pronunciei uma só palavra. Ele olhava com admiração e encantamento a mocinha, mas ela nem ligava, estava mesmo era interessada na conversa filosófica da mesa. Eu concordava com tudo, afinal, discutir filosofia com um historiador amante de filosofia e uma estudante de filosofia não combinava com meu jeito prático de ser, então era mais prático que eu concordasse, ou socasse coca cola e pão de mel guela abaixo pra justificar o meu silêncio. Foi o que fiz. A mocinha não. Além de estar discutindo assunto interessante com o cara da virilha coçada, ou melhor, o cara da pochete, já havia sofrido de bulimia, então evitava comer.
Meus olhos não conseguiam parar de seguir a manchinha da caneca do cara da pochete (que esbarrava na virilha coçada). Ele segurava os arrotos e quando fazia isso, inevitavelmente dava pequenos tranquinhos com o tórax na cadeira e interrompia a fala. Olhava a mocinha como quem olha um pudim de leite condensado.
Meus olhos seguiam a caneca carimbada. A mocinha de pele branca interessadíssima no assunto. Eu olhando a caneca e concordando com tudo.
Entornou e girou a caneca. Pronto. Ele viu a marquinha de batom.
"Olha! Uma marquinha de batom."
"É! É dela. Acabou de beber um cafezinho nela. Acho que a caneca estava mal lavada moço..."
Ele não sentiu nojo. Olhou a marquinha na caneca, olhou pra boca vermelha da mocinha e lambeu a marquinha da caneca até que ela saísse totalmente, gesto feito sem tirar os olhos da mocinha.
Eu descreveria o gesto como sexo oral filosófico, visto meus breves conhecimentos sobre as preferências sexuais do cara da pochete, por várias vezes reveladas no meu "consultório" em suas frequentes visitas.
A mocinha, educada, fez de conta que não percebeu a intenção do gesto.
Eu, lógico, fui pra varanda fumar um cigarro. Afinal, depois de servir de voyer naquela modalidade de sexo estranhamente cult, um cigarrinho caía muito bem.

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