29 fevereiro 2012

FESTIVAL DOS FANTASMAS FAMINTOS

FESTIVAL DOS FANTASMAS FAMINTOS

Por CECÍLIA PRADA




"No sexto círculo da Roda da Vida que há nos mosteiros budistas estão as almas dos que amaram os outros com forte ligação, dependência e grandes expectativas. Os fantasmas famintos têm ventres enormes e vorazes e bocas muito aguçadas."- Joseph Campbell



Há algum tempo eu sinto que eles estão aqui, nesta casa. Mesmo porque quando uma pessoa se fecha em casa, diz-se que está entregue aos seus fantasmas. Acho que toda vida estive - eu passeava meus fantasmas pelos parques, pelos cinemas, pelas casas dos amigos, pela universidade. Andaram de bonde, ônibus e metrô, avião e foguete supersônico, pobres fantasmas, despedaçados e cambaleantes, língua de fora, me acompanhando. Andaram com suas histórias, incompletas, me incomodando - de repente, na feira da Vila Madalena, entre uma cenoura e um nabo insosso, eu ouvia uma voz tênue, mensagem me chamando, assim, uma frase digna de ser escrita ou lembrada, ou a súbita resolução de uma passagem literária - pensamento solto, enfim, como radical livre. Estes pensamentos vinham com coisas às vezes de epifania. Mas com o passar do tempo, e com o aborto da maioria das epifanias, quando esses pensamentos saltavam de trombeta na mão na minha frente eu sentia um pequeno calafrio na espinha, porque eram exatamente assim, como : uma alegria imensa de mundos reencontrados numa fração de segundo, seguida do aguilhão agudo de um desejo não-realizado.

Ultimamente, a certeza da obrigatória frustração.

Agora - reconhecê-los fantasmas, esses famintos fantasmas das famílias, alivia-me. As frases não estão mais em mim. Ninguém me cobra o desenvolvimento dessas frases, ninguém me diz mais que elas obrigatoriamente devam desaguar naquele folhudo romanção impossível que acabei, acabaram, por esperar de mim.
(Se eu me aceitar como sou, mera catadora e captadora de frases-fantasmas, se me aceitar à espera delas, armada dos binóculos e da paciência dos que observam os vôos dos pássaros...)

28 fevereiro 2012

AS FÉRIAS DE SUETÔNIO BARBOSA #4






Góngora, una letrilla

Luís de Góngora, orixá bravio, voltou pra casa de bonde. O século XVII, aliás, abrira, apenas, os trapos de seu palanque – oh, arranque oh, madressilva oh, transbordo barroco de seu tanque.
Cuando cubra las montañas de blanca nieve el Enero. Fritou, cantarolando, um ovo no fogão elétrico, outra novidade aparatosa daqueles inventivos selvagens americanos – oh, Navajo escalpelado oh, Maranhão valente – saco de areia arrebentado à faca, maquiagem, babadón, rendês tenga yo lleno el brasero um rococó de sal, uma pitada de pimenta de bellotas y castañas.
Ándeme yo Caliente, o blockbuster da década de 80 do século passado vai começar daqui a pouco.

– Bora, adusta frigideira de encanecida ferrugem y gordura brilhante. Pipoque óleo no gibão de gitanos e marqueses. Don Luís abancado na cadeira de palo alto. Argote refestelado.
Cadê o controle remoto? hoje estoy contento. Ah, já começou, miércoles! Vou baixar daqui a pouco y quien las dulces patrañas del rey que rabió me cuente na flácida magreza de Dolores y ríase la gente.

Góngora, Sebastião Salgado feelings

Uluru Ayers Rock no quequé no umbandê no urubuquaquá no pinhém, tá vendo?
um fiorde de gelo na tranca do êrmo, um iceberg no oco do congelador e pouca, muito pouca sardinha na velha Brastemp de segunda.
Bagaço de laranja farinha rala, Dolores, a bolerona texana, abriu a geladeira – néris de pirão, nada, miércoles, nerusca de Enero – antes da gira.

Don Luís de Góngora – oh, Pretérito das Brenhas oh, Grota do Cravo oh, Sidney oh, Fagner oh, Anacoretas da Etiópia – na frente da tevê: Ándeme yo Caliente.
Pouca, muito pouca sardinha, y ríase la gente antes do toque rabioso, com nervio, do umbandê.

Góngora, otra letrilla

um charuto, as vezes, c´est apenas um charuto, meu caro. Don Luis de Góngora y Argote broxa, até Pelé broxa. Ceci n´est pas une pipe.

Góngora, orixá rococó, no lotação. Pode broxar. La más bella niña de nuestro lugar hoy viuda y sola y ayer por casar.
Griselda la más bella niña de nuestro lugar foi engolida por uma onça Dolores viuda y sola tomou uma cadeirada na cabeça Maria Amélia pinça hoy um pelo bravio cantarolando e amanhã pode ser vitimada, quiçá, pela borduna fortuita dum aborígene impertinente:

– ¿Quién no llorará aunque tenga el pecho como un pedernal, y no dará voces viendo marchitar los más verdes años de mi mocedad?

Macumba, pastiche

um aborígene australiano, Góngora, a vaqueirama dos boiadeiros, pretos velhos, Griselda, a onça e Maria Amélia – um rol invejável de entidades, não é?
Pé frouxo, os médiuns, cavalos de santo de cabelo eriçado – ou, talvez, os filhos daquele ultrapassado Ogum Bexiguento que num sábado à tarde baixou na delegacia do Sr. Mário de Andrade – ficaram de costas um pro outro, suando horrores no zungu.
Ombro no ombro.

Paticumbumparagundum, o tambor de Agola batendo ê uma toada dodecafônica, na Calunga ê, de Aruanda tocava assim.

Macumba, transcrição mediúnica

– Bob, o vampiro, tá de olho no seu pescoço branquelo, Sally. Não seja boba, hein? Dorothy Parker tá na roda.
Pois é, nem figurava no rol das entidades, but fazer o que? tá na roda. Baixou, toda bunitinha, no primeiro toque. Bob, the vampire.
Dolores, a bolerona texana, rezava baixinho pra ver se Góngora aparecia de vez loves Sally, the silly, but Dorothy´s here to stay.
– Pobre superstição balcânica, a entidade pediu uma xícara de chá. Papai Drácula não ensinou pra você que as bobas são ainda mais perigosas do que as sonsas, mizifio?



27 fevereiro 2012

ADOÇANTE

Por Guilherme Salla


Felicidade é
gastrite & café.
Não tenho estomago,
não tem açúcar.

Felicidade?
Não de manhã.
Talvez, aspartame,
pão na chapa.



.

26 fevereiro 2012

CLUBE DA PALAVRA

Por Rafa Carvalho

"... a língua é quem a trabalha"



programa 'clube da palavra', do canal q, de portugal... um dos locais de lirincantos que achei pelo mundo!

nesse, uma canção: 'nina's ninar song', composta numa viagem recente, numa passagem pela dinamarca... estória que ainda liriconto por aqui... ... ...


 
dedicada à nina... ... ...

... de nina, na vila madalena; de princesinhas dinamarquesas, como aia e julie, lá na longínqua escandinávia; de flores como maria, afilhada, lá na vila mariana; de seres da grandeza do pequeno mateus, que costuma brincar de beatles com o poeta, cá na calçada em frente ao boteco; de nós mesmos... e também de nossos bichos papões...

com gratidões imensas ao amigo paulo vinícios, pela companhia e pelo lindo arranjo; ao querido luiz grabriel lopes, que vem junto, passando portas; aos estimados inês eva, joão pacheco e a todos da equipe do canal q e do 'clube da palavra'... e a tanta gente mais, que têm partilhado dessa viagem...

evoé, também, viton araújo, carmen souza e theo pas'cal, álvaro de campos, noiserv e luís costa, mais francisco rosa, que, outrossim, com-partilham suas artes nesse vídeo.

e... ainda de 'nina's ninar song'... sempre que tocar, essa canção é também dedicada a quem se sentir tocado...


carinhos, bocejos e sonecas de cá,



rafa




.

25 fevereiro 2012

DOIS ÁTRIOS E DOIS VENTRÍCULOS


L'amour
Lamúria
Lama e fúria
Lamenta, arde
Por isso ama
Por vezes, ameniza
Reclama por carne
Faz alarde por dentro
Até que aflora e nem avisa.

Vi ser a víscera
Vim sem ser áspera
Esperar por tua demora

Nêspera dura
É meu coração.
Quem quer morder?
Contém nervuras
Convém ternuras
Meio páreo para a solidão
Amor no seio: não pare-o lá!
Há morte só quando é contrário
Um contra-senso à contra-mão.

Vão ou não, é merecido
Cabe no fundo de um sacrário
Por sobre ou debaixo de um colchão.


22 fevereiro 2012

IDAS & VINDAS

IDAS & VINDAS

Por Alvaro Posselt

Já morri há mais de duas horas. Estou aqui nesta encruzilhada.
Ninguém aparece, nem os de branco, nem os de preto. Vou voltar para o meu corpo.

*

Acordei dentro de um caixão. - Milagre! - gritaram.
Os que me amavam vieram me abraçar. Já os outros ficaram pelos cantos.
Quando estava indo embora, ainda ouvi um sacana dizer:
- Agora que ressuscitou, vai ter que pagar o funeral!


19 fevereiro 2012

O ANÚNCIO



Por Paula Miasato

Ele a deixou. Melhor dizendo, a mandou embora. Há dias passava as madrugadas fora de casa, surgindo apenas no início da manhã. Hálito cheirando a álcool, roupa a perfume barato. Os lóbulos das orelhas mordidos delatavam a presença de outra mulher. O resto do corpo não dava pra ver. Há tempos não o possuía, não por falta de apetite, mas porque ele recusava a entrega. Havia sido expulsa. Da casa que a ele pertencia e o mais dolorido, da vida dele, que mais do que a casa, somente e tão somente a ele pertencia.

Sentada na guia da calçada com uma mochila engraçada dependurada nas costas estampava uma grande interrogação no meio da testa enquanto observava o fio de água que corria em direção ao esgoto. Papel de bala, bituca de cigarro (acendeu um), insetos semi mortos. A vida do esgoto, a sua vida sendo convidada a ser engolida pela boca imunda do bueiro. Cheiro de merda.

Um cartão branco umedecido e borrado. Pegou. Nesse instante, um inseto quase afogado grudou na sua mão. O cartão. Dava pra ler: recruta-se moças, ensino médio completo, não é necessário boa comunicação, mas exige-se boa aparência. A empresa oferece alimentação e moradia. No cartão o anuncio da sua ressurreição e a do inseto que grudou na sua mão. O inseto, depois de secas as asas, voou. Ela, usou sua última moeda e caminhou em direção ao telefone público.

Havia graça no andar desgraçado dela.

17 fevereiro 2012

INFINITO CONTIDO

Infinito contido

Diga-me tu, que tanto perambulas
Como é possível ao corpo finito
Conter um vazio infindo?

A metade falta-lhe ?
Inteiros somos?
Peregrino, falas!
Expõe o teu segredo.

Errante da existência, o que aprendestes?
Pode acaso a existência ser essência de si mesma?
Decifra a experiência!

A fortuna acirra a cifra dos teus anos
Aproveita o privilégio da idade
Torna-te incontida e grita:
- ...













16 fevereiro 2012

ARTISTA

Artista

Despertador, cama, escada, cabelos, dentes, rosto, café, mesa, pães, frutas, geléia, manteiga, danone, pratos, copos, xícaras, roupas, privadas, chãos, cozinha, almoço, janta, ida, volta, listas, telefone, TV, computador, livros, ventilador, cama, ama...

O cotidiano tem sua beleza. É veloz como rajada de vento, frágil como dente de leão. Se permite pulos, atrasos, borrões, mas não necessariamente os quer. Os desvios surpreendem com o desplanejado e, vez em quando, lhe apagam com luzes foscas. Nada do que lhe preenche possui garantia. Há, pois, esforços para seus cumprimentos e tanto o que lhe escapa entre os dedos, quanto o previamente previsto conquistam encantos e tropeços.

As fragilidades querem se esconder, ser escondidas, desaparecidas, escamoteadas e em seus labirintos subterrâneos, que até parecem insignificantes, viajam arrepios, lembranças, artes. Do despertador ao amor há mais matérias-primas do que se pode alcançar.

15 fevereiro 2012

DEGRAUS

DEGRAUS

Por Cecília Prada             


A  vida? A gente precisa ter paciência com ela, seu moço. Ir só, cada dia, pisando no degrau – degrauzinho mesmo, seboso, escorregadio – que ela nos concedeu. Para cima, para baixo, quem sabe? Não tem que se pensar muito. Porque todo mundo tem, seus sobes, seus desces, assim vamos. Procurando nossos caminhos nas escadas que muita vez acabam no nada, suspensas no ar ou sobre  abismo, repentinas – como aquelas escadas de Escher.
         Mas se, na bruma em que não vemos mais degrau algum esticarmos a mão... Vai ver deparamos com madeiras, pilar, feitio de porta para alcançar a maçaneta, torcê-la com cuidado – curiosar?
         O cômodo que divisamos –se por sorte alguém que não se sabe quem tiver acendido alguma vela – é vasto? é pequeno?  sem aberturas, lacrado, ou com algum janelão bem aberto para o mar –hein? 
         Há alguém dentro dele? Ninguém, só nosso arfar? Ou multidão? Seremos bem acolhidos? Expulsos a pontapés?

_____________

14 fevereiro 2012

AS FÉRIAS DE SUETÔNIO BARBOSA #3


Nêga Maluca, versão

Nêga Maluca, a cabeça tá proporcional ainda Góngora y Argote já chegaro na gira, mas a nêga ainda não bolou total não é nêga ainda, nem maluca.
Não é, quiçá, nem a parturiente Griselda nem Dolores, cantora de boleros do Texas nem Maria Amélia fidalga, hesita – apenasmente – vai ou não vai até a árvore barroca? até a boca hedionda, terrível da Gruta do Cravo?
Nêga Maluca, tá brotando pérola e caindo flulô no quintal cheio de hipérbatos. Bora, Dolores, cospe, cospe a rosa murcha, cospe a feiosa, horrenda, versão no cabelo alisado a ferro dos trouxa:

deste, pois, formidável da terra
bocejo,
o melancólico vazio a Polifemo, horror daquela serra, bárbara choça é, albergue sombrio e redil espaçoso adonde encerra quanto os cumes ásperos bode dos montes esconde:
cópia bela que um assobio junta e um penhasco sela


Góngora, tragicomédia

Boteco do Perna. Oh, apoteose do uísque paraguaio oh, palco de balbúrdias e cicatrizes indeléveis oh, porres homéricos oh, sonegadores de impostos.
Profissa, Dolores, cantora de bolero texana, feriu o lábio cheia de nervosismo fingido. Glote fechada.
Cuspindo um tipo ideal antilhano atrás do outro, Dolores arrebentava sin piedad a garganta. No quando, entretanto um chafariz de pitangas carcomia de vez a inverossímil maquiagem da mujer. Oh, barafunda de cílios postiços.

– Puta que pariu, carajo, detesto Perfume de Gardênia! Na platéia, apois, um Polifemo sacana atirou – sem mais nem menos – uma cadeira na nêga.
Luís de Góngora, orixá invocado, ficou pê da vida, tremeu no sutiã do gogó. Corazón! Vou falar tudo, seu rebanho de chauvinista féladaputa, vou falar tudo na orde, tudo no caso reto. A árvore miúda, quase um arbusto.
Vosmicês não têm sequer um hipérbato no cu pra cagar, toma esse verso entonces:

Apois, o melancólico vazio da caverna, este bocejo formidável da terra, é apenas um abrigo sombreado para Polifemo, o horror daquela serra.
Para o gigente, a gruta é também um redil espaçoso para encerrar tantos bodes quantos os cumes ásperos podem esconder: um belo rebanho, bêbado miserável, que um assobio de Polifemo ajunta e um penhasco, seu tosco, sela.



13 fevereiro 2012

COLUNA POEMAS DE SEGUNDA - Por Guilherme Salla.
















* Devo-não-Nego_Posto-quando_Puder (Dispositivo avançado de anarco-cronogramia)

HOJE,13, ANIVERSÁRIO DO DE CHALEIRA!

                                            FOTO - Por Ju Ramasini

 Neste treze de fevereiro, este coletivo completa 1 ano e treze meses com , exatamente, - 700 colunas publicadas e quase a mesma formação inicial pensada no final de 2009. Parabéns a nós pela longevidade!

12 fevereiro 2012

ENSAIOS QUE LI' SOBRE I'R IN CANTOS

Por Rafa Carvalho


a idéia destes lirincantos, desde sempre, é namorar a música com a literatura...



coisa que, no início, pareceu fácil. e, de fácil que, de fato, é... veio a ser difícil!

difícil no sentido de perceber o formato que daria postura a essa coluna... uma vez que, música e literatura, para mim, são coisas tão já juntas, que juntá-las mais, numa intenção de pretendê-las mais distintas, seria quase como comer rapadura com melaço de cana. no máximo,  uma questão de textura...

uma legítima questão de textura! mas que trouxe a essa coluna, muito mais que uma mobilidade mórbida e engessada, uma tremenda habilidade flauta-vertebral – dando aqui um carinhoso abraço em maiakovski... tendo em si o sustento firme da palavra, mas com suaves porosidades de silêncio e, flauteiramente, capaz de soprar aonde se quer. uma coluna flexível o bastante pra dançar livremente – dando aqui outro abraço carinhoso, dessa vez em nietzsche... como uma flauta doce, que não tem compromisso nem com a própria doçura...

é assim que, até aqui, já sopramos, em prelúdio, pelas raízes místicas de amoreiro... até emergirem ventos nas folhas, as amoras caírem e mancharem de mantra a canção... e é assim que, também, já sobrevoamos o jardim do fabuloso fim de semana de amélias, amoras e eus – onde até paramos prum café... é assim que, de lá, chegamos a bach, num sol maior vibrante, em meio a lindas suítes para violoncelo... para em seguida, ainda, passarmos pruma cerveja – ou duas – com o carteiro e o poetante,  lá... no mesmo bar do seo manoel, onde tanto samba já se fez. e é também assim que, de repente, chovia na avenida goiás... e corpos apaixonados se dançavam, todos, ao som de jorge ben... ... ...

enfim, é assim que, com o tempo, essa coluna quis ir sendo texto, som, imagem... cor, movimento, melodia... gosto, agosto, eternidades... ... ...

e é assim que quer seguir, a coluna... a soprar pólengamia... lirincantos... pra que esse namoro floresça sempre mais... e seja da música com a literatura... e com a dança... com a arquitetura, o cinema, o teatro, o circo, a pintura... com o lavar a louça, o ir a feira, o deitar na rede... o se olhar no espelho, olhar pro outro, pros lados; pra dentro... a paquera, dessas coisas todas, com o ser... humano... ... ... 





ps.: ...algo como rapadura com melaço e garapa, flambada na cachaça, caramelizada com açúcar refinado e polvilhada com mascavo e cristal... ... ...
 ... ... ... tudo isso, mas sem compromisso com própria doçura





11 fevereiro 2012

LIVRO-LHE

Por: Paola Benevides




Seu toque era um prurido causado por bolor de livro antigo que contava histórias de uma vida através dos poros de outras raras existências. Abriram-se feridas pelas traças compenetradas, sanguessugas a banquetear suas veias cavas, galgando teias estanteadas, remexendo as prateleiras de aranha. 

De tanto amarelar-se, década após década, passou a desencadear uma marromice aguda, que combinava em muito com a madeira da escrivaninha nunca antes reformada. Preservava todas as notas em rabiscos de caneta, ranhuras e falhas.

Era erva-daninha a sustentar toda floresta de palavras, desgastada pelo uso de vistas cansadas que pendiam óculos e perdiam máscaras com o tempo. Certo dia, virou natureza morta, tivera as folhas arrancadas a fim de servir como forro de sótão para que pintassem tela, para que pisassem nela, feito folhas tortas ao chão.


08 fevereiro 2012

NO CÉU

No céu...

Por Álvaro Posselt

No céu da minha boca
tem um monte de estrelas

Não penso em outra coisa
a não ser comê-las

07 fevereiro 2012

VAGA - UMA EXPERIÊNCIA FUNDIDA (NEGATIVO DE "POSEIDON')






                               INFINITUM - V.II (Meu)



VAGA – *











Então não se fala mais no assunto e o que fodeu, fundido está. Como? Não compreende, não alcança a mecânica da coisa? Pois bem, sejamos profundos ainda mais, na sujidade dela. Pois ela não tinha balisas, critérios, fosse no que fosse. Um cata vento para os antecedentes, uma irresponsável frente às conseqüências. No início nem sabia do que se tratava, saltava alegrinha no vácuo. Mas sempre houvera quem a ancorasse nalguma gavetelha da moralidade vigente.Acabava por se fundir às versões dela, às ficcionalidades, compreende?


                                     -----------------------------------------


* "Poseidon', nome de um texto ficcional da autora Paula Miasato, escrito quase que concomitante a este 'Vaga', em lugares distintos está no blogue da autora e no meu Festina Lente. Trata-se de um caso feliz de sincronicidade e/ou complementariedade na mais casual sintonia. A estrutura formal é quase idêntica!



06 fevereiro 2012

ESCAVANDO TERCETOS

Por Rafael Noris



ser poeta
é tirar de letra
monstros da gaveta

*****

Soldados,
é preciso fazer:
- Sentido!

*****

além de mim mesmo
nada vejo
senão a esmo.


03 fevereiro 2012

DOM

Dom


Perguntastes-me
Qual meu dom?
Respondo-te apressado

A esperança
A espera
A promessa.

Espero tanto...
Por  tempo tão extenso...
Que neste átimo pergunto-me.
A mim mesmo

Afinal, alma breve
Que cativas o hábito do ponto e vírgula
O que esperas mesmo?





02 fevereiro 2012

AQUELE ZULEJO

Aquele zulejo

Por Vivian Marina


Se acaso anoitecer e o céu perder o azul” encontrá-lo-ei noutros cantos. Num lindo balão que se esconde em nebulosa e vive no mundo Lua. No pedaço de papel em que escrevo um bilhetinho engarranchado quase sussurrando que fui embora. Em tudo o que for nu. Na caneta que grifa minhas partes favoritas. Naquele azul da cor do mar que espalha sais, garrafas, chances. No manto de Iemanjá rainha de pequena imensidão. No amor, que é azulzinho.


As bailarinas poderiam trocar o rosa pelo azul esfumaçando transparências com a leveza e técnica apuradíssimas. É prazeroso pensá-lo em inglês e com s, ritmo completamente sensual. Flores também são bem vindas, desde que venham com seus perfumes azulados. Mas o que me intriga mesmo é aquela casinha de janelas e portinha azuis, na qual nunca nem vi um pássaro adentrar.

Me perco em assaz zumbido ultrajante labaredoso. Ausculto zombetante urro límpido. Azuis que de tão azuis me pintam safadamente o corpo. E já toda azul posso então saudar o céu clareado. Saúdo o céu, porque o mar se encontra longínquo, fora do alcance das minhas mãos. Em pensamento, troco o mar pelo céu para me lançar ao azul quase de metileno e, então, lhe escrevê-lo com torrões de açúcar que nublam todo azulejo.


01 fevereiro 2012

GENESIS

GENESIS



O espírito de Deus planava sobre as águas.

Yavé , que passeava pelo Jardim do Éden aproveitando a brisa da manhã...

No princípio havia um único homem, Yavé. Que se sentia muito entediado e resolveu criar outro homem, Adão, com o qual brincou, bem divertido, durante um bom tempo. Portanto, a criação foi um ato homossexual. A mulher, nasceu muito depois - um afterthought. Nasceu  de uma brincadeira inventada pelos dois homens com um osso de costela – da qual surgiu o ente feminino como peça de uma carnação realmente esplendorosa, muito melhor do que mera carne de costela (por essa eles não esperavam).
            Adão, que fora incumbido do Registro Civil, balbuciou “Ela”, mas sua pronúncia era muito ruim, e assim a mulher acabou se chamando “Eva”. E o ménage à trois ficou completo, viveram assim uns tempos brincando juntos (Eva meio emburrada) até que surgiu a Serpente. Só que a língua de Adão não aprendera a falar em trissílabos, ainda – ele só deu de ombros para aquilo liso, enrolado e escorregadio, que se insinuou logo por um ramo de árvore, trazendo nos dentes uma maçã mais lustrosa e saborosa do que a de Branca de Neve.
            Foi “Ela”, isto é, “Eva” – na língua estropiada de Adão – que prestou atenção na beleza da Serpente (com esse nome feminino...seria um transexual ?), que ouviu seu discursinho mole de sedução, e o resto da história vocês conhecem, ué, esse foi o primeiro adultério da História. E assim, híbridos de um pedaço de costela e de um ser, digamos, pelo menos sui-generis, fomos feitos, complexa humanidade...
         Notaram que nunca existiu uma Mãe? E que os que escreveram a Bíblia nem deram pela sua falta?





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