20 julho 2011

BRIGANDO COM FEBO

BRIGANDO COM FEBO

Por Cecília Prada

Sabe Febo?

É, aquele mesmo da mitologia, o descabelado de cabelos de ouro, cavalo de ouro, carro de ouro, sei lá, dos outros tempos...pensando bem, esse jovem importuno e persistente que está aí bem à minha frente deve ser pelo menos o trineto do outro, o de Homero, o que namorava a Aurora de dedos cor-de-rosa recém manicurados, estão lembrados?

Pois é - mas não há dúvida, o rapaz manteve bem até hoje a tradição da empresa familiar, o cartel da iluminação. O descarado jovem vem todas as manhãs arrastar o tal carro de ouro bem defronte da janela da minha sala, só para atrapalhar a crônica que escrevo, provando sua arrogância de machinho contra a pobre Telinha do computador - deixando-a aterrorizada, inteiramente pálida, desmaiada e imprestável, a pobre mocinha.

Às seis e meia, sete horas, é até engraçadinho, balbuciante bebê comendo sua papinha matinal toda rosada, ali por detrás daquele bosque. Depois, começam os chutes, vai reivindicando todo o céu para ele - coitada da Mãe Lua, foi escorraçada e murchou, achou melhor se recolher para dormir e preservar energias, já que lhe cabe o pesado turno noturno da fábrica de luz.

Tento em vão escorraçá-lo, invoco - neste fajuto inverno subtropical! - entes mais delicados, aquelas cultas senhoras nuvens de meia-idade, de vestido gris perle , que me venham lembrar manhãs de garoa de minha infância paulistana e me falar de Proust. Que esperança! O metaleiro já está todo se pavoneando, cuspindo fogo, secando minha inspiração - a tela esbranquiçada do computador obriga-me ao confronto desconfortável com uma senhora de óculos que tenta pescar letras e com elas, pretensiosa! resolver alguns enigmas do universo. Ou pelo menos compor um poema - uma crônica, que seja.

Ah, mas espera só um pouco, para ver...(tenho meus segredos!) Eis um pequeno momento de anistia, na nossa batalha : cavalheiro, o prédio ao lado se mostra suficientemente alto para encobrir o moleque, corra , dona, acabe logo o que tem para escrever, "ele" tem de dar a volta aí por trás, leva meia-hora o danadinho, a senhora sabe...Sei.Tec-tec, taque-taque, meu tecladinho, corre ligeiro que o Bicho Papão já vai voltar - aproveita esta brecha, a vitória (temporária) da inteligência sobre a natureza?

E a meia-hora já vai escoando, Febo-o Jovem já deu um chute na extremidade do prédio mostrando o pesão dourado, não acabei a crônica, o universo, a literatura, ficou tudo pela metade, e agora tenho de abandonar a Telinha por umas duas horas...e minha crônica inacabada, ó Cara, vê se te manca e tira esse teu lumiar cretino de cima de mim, vai andando, vai, ô...

A sorte é que depois do almoço nem preciso tomar conhecimento dele - vai torrar os miolos dos vizinhos da outra metade do prédio. É a minha vez de chutar Febinho para lá, que fique, que vá ser assim malcriado com quem aguentar. E que eu acabe esta crônica, céus!

- Se você comprar uma dessas cortinas blackout não resolve?

- Mas daí sobre o quê eu vou escrever quando estiver sem inspiração?


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