22 maio 2011

PEDRO PEITO PEDRUGULHO

Por Rafa Carvalho


Seu relógio era de ouro. A corrente em seu pescoço era de ouro. Os detalhes de sua caneta hipócrita, eram de ouro. Seus acessórios, de ouro. A série de seu cartão de crédito; ouro. As facas e tesouras que esquecia nos corações dos outros; todas de ouro. A aliança no dedo da esposa traída... Ouro.

Mas a primeira coisa de ouro que teve foi o berço. Na faculdade ainda comprava as suas drogas e pagava o motel pr’as menininhas da Biologia com o dinheiro do “lanchinho”.

Fez uma especialização na Alemanha pra aproveitar a Copa. Mas não só; obviamente... aproveitou também as cervejas, as alemãs e a ausência de limite de velocidade na esquerda das vias rápidas.

Perdeu a conta de quantas garotas sucumbiram a seus carros. Jamais beijou uma boca, cujas orelhas não tivessem escutado, antes, qualquer coisa que fosse, a respeito da quantidade de grana que tinha.

Casar foi muito bom para se livrar da lavanderia e dos contatos semanais com diaristas pobres e desdentadas. E ainda lhe servia para a sua – apenas a sua – satisfação sexual, quando a rua o cansava. Belo negócio!

Sua vida de plantões facilitava todas as desculpas. Era um mau cirurgião; mas tinha um pai. Mais que um pai, tinha um nome. O sobrenome alemão era um tanto quanto impronunciável. Mas mesmo quem não o sabia dizer, desconfiava, ao menos, de sua estima.

Tinha alguns processos travados na justiça e nos conselhos médicos, um advogado que vinha balançando a bundinha sempre que lhe estalava os dedos, e algumas funcionárias do hospital que tentavam se engravidar do homem. E que homem! Um doutor, grisalho, com personal trainer, carro importado, voz grave, dentes levemente amarelados por charutos especiais, hálito pseudo-disfarçado de uísques-muitos-anos, cantadas baratas, mas presentes caríssimos... Não exatamente desses, de fazerem cair o queixo, mas dos que fazem pernas se abrirem. O que suas donas sequer desconfiavam, é que o doutor as violava às pressas, pelos becos hospitalares esterilizados, com toda a tranquilidade da vasectomia. Mas, bem... ainda restavam os presentes.

Sua 'bola da vez' era uma enfermeira das boas. Ah, as enfermeiras! E foi num dia, saindo do apartamento da loiraça, às 10 da manhã, que flagrou o absurdo! Um guarda de trânsito multando-o naquele exato instante, só por estacionar sua 4x4 off-road turbo diesel, em local proibido por 25 minutinhos – o tempo de gozar e ajudar a moça com o gás e o telefone.

Quem aquele funcionariozinho público pensava que era? Foi logo abordando o oficial, que, entendendo tudo, se desculpou insistentemente e saiu contente por ter garantido o happy hour daquela quarta-feira. Mentiroso, o médico ainda soltou um de seus sorrisos éticos, de uísque com charuto, lançando:

__ Se algum dia seu coração parar, passe lá!

Disparou uma risada áspera. O guarda lhe sorria como lhe sorriam algumas putas.


Enquanto isso, Seu Agenor, mendigo antigo do bairro, de lá do outro lado da rua, em meio a seus restos e papelões, escorado nas portas cerradas do ex-cinema que se reformava para ser futura igreja, via, ali, a sua cena derradeira... ao (a)passo que seu coração; parado; ia, finalmente, ecoando justiça a cada um de seus poros invisíveis.

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