21 maio 2011

OPOSTOS



Dispostos à mesinha da cabine do trem com alguns licores, não imaginavam os horrores que podiam causar suas diferenças um ao outro. Ele, lógico e rotineiro, incomodava-se com a expressão dela, abstrata e variável. Ele conversava na métrica das falas comuns de macho, porém sensível (à sua maneira). Já ela, poetizava, meio que fora dos trilhos. Ele não apreciava em nada repetir as mesmas frases para ela, perdia as estribeiras fartas (sem querer dá-la às tapas concretas). O entendimento era outro. Ela fazia as mesmas perguntas no seu grego hábil, não porque desacreditava suas respostas, mas porque queria ecoar dentro dela a bem-querença, queria assimilar todas as verdades e achava pouco o que ele a oferecia (pouquíssimo). Ela, inconformada, perdeu-se com a boca, ameaçou bater seu coração no rosto dele, no entanto, tentou manter barbas de molho no licor, que acentuava qualquer letra mal posta, piorava o rancor. Nada de violência, era só bate-boca, sem beijo com beijo cravado em batom, do jeito que ela mais detestava. Ele era duro, entretanto magoável. Ela não sabia a mágoa que causava. Quando descobria, era a que mais se machucava.

Não mais se falaram por um tempo. Tempo imenso para ela: uma semana. A espera foi tanta que, então, trocaram cartas. Primeiro, ela dispôs em versos a sua versão, entremeando declarações de amor com empáfias, anexando uma gravura colorida, tudo isso na síntese de duas folhas amarelas de lágrima. Ele não gostava de ler. Na vez d'ele responder, enumerou parágrafo após parágrafo, como quem trabalha no escritório mais burocrático da alma, estendendo sua problemática em cinco páginas. Foi prolixo, reclamando a falta da fala dela nessas horas. Isto porque, de todas as incompreensões passadas, ela sempre vinha com uma escrita doce e, depois quando passava à voz, engasgava, confundia gestos e apedrejava com a língua. Histeria mal interpretada. Excesso de vísceras. Pouca experiência com os experientes da brutalidade real, era incotidiana. Ela se arrependeu, só não se conformou. Seu canal mais fluente não havia comunicado como queria. Sua voz calava porque ele não abria mais o mesmo espaço para ouvi-la, abria mão. Emocionaram-se naquele vagão, calados, juntos, por horas. Os dois transbordaram, saíram do plano verbal de si, perderam a linha, já estavam noutra estação. Haviam adormecido no mesmo sonho. Amavam-se, apesar das turbulências. O amor era sua única linguagem.


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