31 julho 2010

Buster, Charles e as Mulheres

O sério e o palhaço. Um vê o mundo como é, o outro, tenta ver algo mais. Um nunca sorri e consegue tudo, o outro, sempre sorri e acaba sozinho. Os filmes de Buster Keaton e de Charles Chaplin mostram duas visões de vida opostas em relação com o mundo. O ponto de foco: as mulheres e algo que possa ser chamado de felicidade.

Buster vê seu mundo miserável e sabe que nunca vai sair dele, no máximo usa a esperança de um mundo de felicidade, para temporariamente lhe motivar. Charles vive em seu mundo miserável, mas só tem olhos para o de felicidade, age como se já estivesse nele, mesmo estando enterrado num lamaçal. Todo o significado de seus filmes se resume a suas faces, toda a verdade se revela em seus close-ups. Em A General, Buster executa as tarefas mais difíceis, literalmente chegando a parar um trem com os seus próprios pés, e tudo com uma face seca, pois mesmo estando completamente embebido pelo alcançar de um mundo feliz, onde tudo isso vale a pena, pois lhe dará a garota, também sabe que nada disso alterará sua condição de sempre estar a beira do abismo. Por sua vez, em Busca do Ouro, Charles se perde completamente em seu mundo alegre, mais por um puro desespero e sem nenhum objetivo, como quando brinca fazendo uma dança com os pedaços de pão sobre a mesa, enquanto a garota que deseja se inclina cada vez mais para os braços de brutamontes retardados. Ele voa enquanto enfiam sua cara na lama. A verdade sempre se revela no fim, como em Amores de Estudante, em que Buster, após conseguir a garota, se casa e imagens de sua vida se sucedem, mostrando um casal de vida pacata, depois melancólica, e por fim o cemitério. O que nada se compara com uma das cenas mais melancólicas da história do cinema, o fim de Luzes da Cidade, em que Charles após ser livre da prisão, vai de encontro a garota que graças a ele, não só pode agora enxergar, pois antes era cega, como tem uma vida boa. Durante todo o filme ele se fingiu de milionário tentando passá-la a idéia de um mundo de felicidades possível, e agora, graças a todo seu sofrimento e luta, ela o tem, tem um mundo bom e isso é tudo que vê. Então, Charles aparece, ela nunca tendo o visto antes, só vê mais um mendigo engraçado, por quem pode ter pena, vai até ele, e lá ele se revela, fechando o filme com dois close-ups, um da cara da garota com uma face de espanto ao ter todo seu mundo despedaçado, descobrindo que seu homem dos sonhos é aquilo que está agora na frente dela, seguido da face de Charles, com um sorriso nervoso, esperando que de alguma forma tudo de certo, mesmo vendo a verdade.

30 julho 2010

Res Gestae

Res Gestae



Por Wagner de Souza



A minha Nau vogando quietude marulhosa do mar,
Ringir roufenho de ferros sapremados...
P´la poitação ruidosa das arribações,
Celebradas no peã barregante da matolagem acoroçoada,
Ebrifestiva.

Bulha de gorjas raucíssonas
Despulmonando himno de aclamação vitoriosa,
Loa de corações ovantes
Tartamudeada p´la ingresia tonitroante dos triunphos...
Lá-baixo a hiléia cerebrina das legendas, e troviscados.
Estrepitosamente, co´a exartrema entrechada das mastreações.
Carpidas na oblectação temulenta das beberagens.


... o alarma admonitório da próxima partida.

28 julho 2010

O CACHIMBO POLONÊS

Por Eustáquio Gomes

(para ler a crônica, conseguida através dos Arquivos Incríveis do João Antonio, clique na figura abaixo)


27 julho 2010

UM TRATO RETRÔ


ILUSTRAÇÃO: Alan Carline


UM TRATO RETRÔ

Por Marco A. de Araújo Bueno

Nas semanas depois do acidente tudo estava confuso, sobretudo a identidade dela, sua auto-imagem. Cirurgias seguidas, rotinas alteradas e intoxicação medicamentosa – dessa geléia plasmada na pressa, na dor e na urgência, precisava extrair uma nova matriz identitária, urgente, na pressa; com dor e tudo. Tempo lhe sobrara, um tempo flácido de esperar o tempo passar entre as pontualidades dos remédios, das consultas. E foi nessa oficina do capeta que surgiu a idéia de juntar suas fotos três por quatro e organizá-las numa tomada de vista única. O efeito foi arrebatador. Tudo lá, simultâneo e chancelado pelo olhar oficial de fotógrafos profissionais lidando com o que chamavam de “o cu da profissão”. Ei-la, em fotogramas manchados por marcas de carimbo, distribuída pelo tempo linear; comovente – retratos, só.
Só? Uma constelação de achados sobre si mesma. Ela, uma pedra Roseta a lhe propor uma espécie de arqueologia do próprio rosto; a convocá-la à descoberta de recorrências e revelações tão sutis sob a lupa da maturidade. Sim, o retrato oficial é um tipo de seqüestro da imagem, constatou. O negativo entregava, pelo afã do bem-parecer, os desastres todos que, foto a foto, repetiam-se na captura de um rosto angustiado aqui, outro tão amargo mais adiante, tão falso-relaxado por vezes. Tão pouco e muito – ela, sempre. Sempre o desafio de contornar a precariedade do registro com algum artifício improvisado. Sorriria? Posaria solene conforme o destino institucional do retrato – um RG, uma CNH, uma matrícula. E sempre só mais tarde a idéia de que aqueles retratos que a precederiam em inscrições e situações protocolares, numa surpresa perpétua ou quase, fariam a reedição de sua pertença por um rosto que já pouco lhe pertencia.
Mas a visada agora era diferente. Tratava-se de lançar mão do que fosse a potência de alguns traços, de reeditá-los mentalmente e construir um compósito de rosto certo, autêntico e quase heróico por ter sobrepujado a aflição dos momentos alinhavados, com vistas a moldar um rosto leal a si mesma, abstraída a linha do tempo.
Com tantas restrições de movimento, de ações mínimas do rosto, vinha notando um empobrecimento da gestuária e da expressão facial. Reduzido a deslocamentos estereotipados, o rosto que emergia do colar cervical levou-a a perceber-se como uma tartaruga ou com uma pomba de anel no pescoço. Os olhos, olhos apassivados, acomodando-se à passividade, oscilavam entre a máscara da dor e a contemplação resignada dos momentos de trégua. Assim, somado à construção do compósito redentor, ocorreu-lhe eleger uma dentre as fotos para identificar-se com ela, imitar-lhe o semblante e recriar alguma vivacidade, alguma expansão a partir do que jazia capturado ali, eivado de vida. Parecer-se consigo, imitar as ações correspondentes, injetar-se vida. Mas vida lastreada, avalizada por uma biografia retrospectiva. Ideal e fiel ao que fora, um dia, a máscara que melhor podia representá-la para o olhar do mundo administrado que lhe exigira os retratos desidratados de vida. Vida seca? Ora, vida...
Estava há horas no editor de fotos, olhos secos, pernas dormentes e completamente magnetizada. É este! E no exato momento em que proferiu a escolha percebeu-se impregnada pelo repertório completo subjacente ao retrato. Agora chega, Vilma – a voz firme e benevolente do marido – Faça algum alongamento, você está impregnada de remédios opíóides, do campo eletromagnético do computador, de inércia! Vilma, chamada pelo nome, sem apelidos, diminutivos, girou a cabeça na direção da voz e, plena de seu repertório resgatado, ergueu a cabeleira com as duas mãos, lançou-a para trás, sorriu mordendo o cantinho da boca e, sedutora como aos dezessete, elevou os olhos para o teto em busca de um vazio prontinho para ser colonizado por uma fala nova. Original porque a origem era ela; original pela ruptura com as falagens mornas com que vinha recobrindo sua convalescença:
-Impregnada, uau! Opióides,é? Já acabei aqui, vou passar um protetor e tomar um sol; fodam-se os edemas. E mais, uma cervejinha ou duas não vão me matar.
Na tela, a vestibulanda audaciosa, cheia de verdades indizíveis e congelada no tempo, emanava vibrações e hormônios tempestuosos e...vida, direto para essa nova Vilma, já publicitária interrompida , libido em concordata e um calvário por rotina aos trinta e oito, incompletos. Na tela, a Vilma poderia secar, diria um Oscar Wilde. Um trato; belo trato dionisíaco em plena vigência do tratamento apolíneo. Vida chama vida, ora. E ecos de leituras juvenis ocupavam seus devidos espaços na parte de dentro da cabeça, em cujo rosto pálido, os olhos agora cintilavam.

26 julho 2010

ESTE LADO PARA CIMA

Por Guilherme Salla



Ver súbito,

a corda, o verso

aceso, um acesso,

a primeira estrofe.




Esta outra, nula.

consta entre,

ante a mesma

que se repete.




Ver súbito,

a corda, o verso

aceso, um acesso

à primeira estrofe.


.

25 julho 2010

POEMA DA TUA AUSÊNCIA

Por Cássia Janeiro

Para Antonio Candido

Um poema de amor na tua
Ausência
É mostrar a dor nua com
Inocência.
É falar dessa dor que não
Sinto
E que me dói por não
Senti-la.
Será essa uma mentira
Inacabada?
Será essa dor insuportável
Incapaz de sentir-se?

Um poema de amor na tua
Ausência
É uma vã tentativa
De te ver ali, imóvel,
E de te amar na sombra
Que ficou em mim.

24 julho 2010

Das (in)definições do amor


Por Paola Benevides

O Amor não é corpo bonito, é roto, vesgo e flácido.
É a nesga de um pedaço mal roído por barata. A casca da mais sã.
O Amor é tecido gasto daqueles vestidos floridos de gorda.
É arrancado nariz de palhaço com seu humor vendido.
O Amor não sabe quando existe, mas está sempre ocupando.
Linha telefônica. Entrelinha de livros.
O Amor não é livre, é deliberado, delivery very much.
A pronta-entrega na porta do outro. Batidas.
O ovo na cara, a vaia de duas mil pessoas ante uma obra de arte.
O Amor é alarde, não é suplício, embora pereça.
Parece que arde. Um bocado de guerra.
Mas no final de tudo nem é isso.

22 julho 2010

CHORÃO


Por Marcelo Finholdt
Avec tristesse (setembro de 2001)

Choro e, choro sim.
Só choro sozinho,
choro um choro são,
choro e choro a dor
de quem um bom choro,
nunca chorou, não...

21 julho 2010

O UIVO DA SIRENE

O UIVO DA SIRENE


Por Cecília Prada





Escrever memórias é sequinho e num trilho. Ou antes, nos trilhos, trenzinho puxando vagões, corrediço e normal. Minhas memórias são o material apenas, de minha escrita descarrilada. Ou pelo menos, sujeita a descarrilamento – com a graça-de-Deus, porque assim deve ser qualquer escrita literária que se preze. Trem caprichoso, metamórfico, polimórfico, bêbado nos trilhos, se sacolejando garrafa na mão, se carnavalizando, enveredando por caminhos só seus e dando banana ao memorialista.
*
Um destes dias, ao passar ao meio-dia pela Avenida Paulista encontrei de repente, numa surpresa, minha xícara de chá da infância, minha madeleine paulistana - a ponta da Memória, o som rouco da recordação: a sirene da GAZETA. Pessoas iam e vinham, esvaziavam-se andares e secretárias corriam para os restaurantes de quilo, atoleimava-se minha Cidade em faminta agitação. Mas eu, parada na calçada, saboreava pedaços esgarçados de um tempo distante. Entrava em mim uma menina dos anos 40, dos anos da Guerra. E o som que eu ouvia não era diluído, abrandado, não se perdia no meio da manhã da avenida. Era o mesmo, sim, mas rouco, sombrio, um uivo poderoso varando o silêncio absoluto – em noite de blackout do tempo da Guerra.
Reunidos em casa de minha avó nos Campos Elíseos, em torno da mesa grande da sala de jantar sobre a qual uma tímida lâmpada de 40 velas pingava, autorizada a custo, assumíamos cara de solenidade. Sabíamos que não era de verdade, só um exercício. Mas poderia bem ser. Não diziam que em seis horas de vôo, apenas, os aviões alemães poderiam atingir Natal?
De todo jeito, onde mesmo ficava Natal? - cidade longínqua e calorenta, devia ser, como tudo o que ficava lá pelo Norte.
A campainha da porta tocava súbita, causando calafrios - era a voluntária da Defesa Civil,de farda azul-marinho, quepe enviesado, levando a mão à pala em um arremedo de continência: desculpassem, mas a cortina - negra e espessa, feita expressamente para a ocasião - não estava bem fechada, uma réstia rebelde de luz aparecia. Desculpassem, a luz era um perigo, podia atrair os aviões inimigos. Foi logo substituída por castiçal e vela, coisa que muito me agradava, identificando-me com personagens de antigas histórias assombradas.
Mas o grande perigo, de verdade, era se a guerra de repente acabasse, antes de eu ter idade para me alistar, moça, magra e elegante, de batom vermelho muito vivo e de quepe enviesado, na Defesa Civil.
Traidora e má, a Guerra não esperou por mim, acabou.

*
Na letrinha redonda das meninas-família eu escrevia que quem era o presidente da República era o Doutor Getúlio Dornelles Vargas, continuava a ser o doutor Getúlio Dornelles Vargas, cuja continuidade no poder ninguém parecia estranhar. Vagas memórias de comícios em que eu ficava lá embaixo, esfregando o nariz nas pernas dos adultos. De comitês no Centro do Professorado Paulista, onde senhoras de tailleur e chapéu de feltro faziam longos discursos inflamados enquanto eu, única criança nesses lugares, dormia a sono solto, só acordando estremunhada na hora dos aplausos. No ar, dispersas frases sobrevivas, em blocos, “revolução de 32”, “legalidade”, “constituição” – que seria aquilo? Nas casas, capacetes e obuses enferrujados escondidos no armário, retrato de algum sobrinho jovem e morto, uma bandeira amortalhada em um gavetão. Perguntei o que era, me disseram em devoto sussurro: “A bandeira paulista que o Getúlio mandou queimar.”
São Paulo ainda era uma casca de ferida.




20 julho 2010

GAVETAS

Por Bia Pupin


Ficou o vazio. E as paredes ficaram com odor de lembrança esquecida. Será possível?

O que encontramos na gaveta fechada? Encontramos na gaveta aberta?

(Besteira deixa pra lá - pensava Renata).

Renata não conseguiu encontrar mais nada. Mesmo que tudo estivesse ordenado, a loucura monótona impedia qualquer acolhimento.

O desamparo acometeu Renata. Ficaram as lembranças vazias de sentido, como aquela: de quando, enfrentou a família por Otávio e sua avó de noventa anos não entendeu nada, ou o dia em que entraram no apartamento, ainda bagunçado, com a menina em seus braços, ambos felizes grudados no berço.

Renata, dispersa, na casa que não pode abrigá-la. Os sonhos humanos moram dentro de uma casa, sem essa ligação tudo vira devaneio.

Estaria jogada no mundo sob a mira de uma tempestade?

A fragmentação intranqüila condenava a errante Renata, já que, não soube dar sentido à sua casa.

Por que não deixar as gavetas gordas, gordas?! Certamente, ela preferiria não ter a certeza, desejava, preferiria o silêncio das gavetas pervertidas e convertidas em palavras entusiasmadas, nada pra ela...

A não ser a lamúria de quem tenta dizer à sua mulher, que ela está deixando de ser a mulher da sua vida.

O clamor das gavetas perturbou Renata que sonhou com um manual, que lhe decretaria uma formula mágica, um caminho confortável: o silêncio daquele homem e não suas lamúrias.

Das cartas que leu a vaga lembrança, meio cega, contaminada, purulenta...

De quem adia em se embebedar de liberdade.

19 julho 2010

TUDO QUE SEI SOBRE O NADA

por Rafael Noris


Há um vazio
em tudo que há.

Há um vazio
que está entre o seu olhar
e o olhar meu.

Há um vazio
no copo do bar
que a ninguém preencheu.

Há um vazio
para completar,
um grito que doeu
pra cicatrizar.
Há um vazio

que parece estar
em todo lugar.

18 julho 2010

Vampiragens Literaudiovisuais

Por Daniel Matos



Trova Rubra
por Marcelo Finholdt

Só quem ama não se culpa,
Sente bem com coração:
Sofre, fica, goza e chupa
Sangue de menstruação!

***

por Rafael Noris

I


à Bela Lugosi

Enterrado como um drácula
numa atuação filme Bê;
sorte sua não ver a mácula:
vampiros de matinê.

II




à Edward Cullen

Brilha, brilha vampirinho
Brilha, brilha em seu papel
Vou pegar nesse soninho
Pra esperar Papai Noel

***

O SOL DA MEIA NOITE
Por Guilherme Salla

Há saga que não sangre?

Adagas singram corpos,
caninos cravejam colos,
pasta al dente de sabre.

Hoje, já não se sabe.
Sanguessugas de sungas
chupam cocos nos quiosques.

No crepúsculo,
toma sol um vampiro nu.

O único lugar onde o sol ainda não bate é o cu.

***

Júbilo da Jugular
Por Marco A. de Araújo Bueno

Na Transilvânia, adolescentes não adornam pescoço com piercings. De prata...(suspira o Conde, com fratura nos caninos; sangrando no curativo.)

17 julho 2010

CONDE POP

Sangue, sexo e aventuras. O velho conde Drácula desde sempre foi tema para atingir o coração de jovens entediadas de classe média, sem nada melhor o que fazer. Uma lição de moral para lhes ensinar os perigos do sexo enquanto as deixa excitadas ao mesmo tempo. Amanhã, o velho sexy symbol fara sua visita à chaleira!

14 julho 2010

AS ÚLTIMAS PALAVRAS DE VOVÔ

Por Eustáquio Gomes

    Vovô correu o dedo ossudo pelas lombadas de meus livros, arrumadinhos na estante, e saiu-se com esta:
    - Por que você coleciona tantos livros sobre velhos?
    Estranhei. Vovô tinha cada uma. Talvez não apreciasse sua própria condição de nonagenário. Ou talvez pensasse que era de mau gosto escrever sobre a velhice. Livros sobre velhos? Mencionasse um.
    - Este aqui, ó, "Veneno na Véia". E ainda por cima escrito errado.
    Não pude deixar de rir. Tratava-se de um romance de José Nêumanne Pinto, também poeta, jornalista, e pior, amigo meu. Expliquei-lhe que o título era Veneno na Veia, e não "na véia". Sempre achei vovô um tremendo gozador, mas por um momento pareceu-me que falava a sério.
    Diante da televisão, via um jogo de futebol atrás do outro, não diferenciando teipe de transmissão ao vivo. As partidas se sucediam e ele achava que eram os mesmos jogadores que entravam em campo. Protestava:
    - Vão matar esses coitados. Alguém devia denunciar isso ao Ibama.
    Não se passaram nem duas horas e lá vinha ele outra vez.
    - Como é, continua lendo seus livros sobre velhos?
    Resolvi entrar na dele:
    - Fazer o quê, não é, vovô?
    Com dedos nodosos retirou um volume da estante:
    - Este autor também é seu amigo?
    - Quem?
    - Este tal de Ignácio de Loyola Brandão. (Ele fala Ignácio).
    - Não exatamente. Já vi ele numa bienal, mas não creio que se lembre de mim.
    - Já sei. Não foi ele que escreveu a biografia daquela bailarina de idade avançada? Veja lá se isso é possível. Uma velha saltitando num tablado que nem maricota. Este seu quase amigo é muito imaginativo.
    - Não estou sabendo disso. Biografia de bailarina?
    Bateu na testa:
    - Ah, me lembrei. O título é este: "A Véia Bailarina". Escrito errado também. Devia se chamar Ig-naro em vez de Ig-nácio. Esses autores de hoje são todos uns ignorantes.
    Tratava-se, na verdade, do relato pessoal de Loyola sobre sua hospitalização para uma cirurgia de urgência. Nada a ver com senhoras idosas. Durante os preparativos da cirurgia, que tinha lá seus riscos, uma enfermeira teve dificuldade para lhe encontrar a veia da anestesia. A veia, caprichosa, se escondia e mudava de lugar a cada tentativa, como se não quisesse ser picada. Então a enfermeira explicou a Loyola que quando uma veia se comporta dessa maneira é chamada de "bailarina". Daí o título do livro: Veia Bailarina.
    Expliquei isso a vovô, que estava mais preocupado em reunir evidências de minha estranha obsessão. Apanhou um livro de Ascendino Leite, autor paraibano, cujo nome já é em si uma ambiguidade, e leu: A Velha Chama. O que deveria ser um título poético, evocativo do lirismo da chama de uma vela, para vovô se transformou em outra coisa: na evocação de uma senhora idosa que chamasse insistentemente por alguém.
    - Mas por que é que a velha chama? E quem diabo ela chama? – interrogava, sarcástico. – Ao menos este escreve corretamente.
    Tive de concordar: o livro até que era bom, mas o título era pra lá de infeliz. Vovô triunfava. Receei que ele localizasse na seção das peças teatrais o Antígona de Sófocles e resolvesse suprimir o acento agudo. Seria o máximo do achincalhe. O drama grego convertido na comédia de uma solteirona. Jurei ameaçá-lo com o asilo, se isso acontecesse.
    Uma semana depois me apanhou folheando um dos volumes da História Natural de Caius Plinius Secundus, o naturalista latino – desgraçadamente apelidado de Plínio, o Velho – que morreu durante uma erupção do Vesúvio no ano de 79 d.C.
    - O que está lendo? – perguntou.
    - Plínio, o Velho – respondi.
    - Bom?
    - Interessante.
    Depois de fazer um reparo mordaz sobre o assunto de "minha predileção", perguntou:
    - Quem é o autor?
    E em seguida:
    - Sabe, você parece mais velho do que eu.
    Creio que foram as últimas palavras que ouvi dele.


{A crônica acima foi publicada na revista Metrópole. Encontrada graças aos Arquivos Incríveis de João Antonio Büher de Almeida}


13 julho 2010

AGENDA


AGENDA

Por Marco A. de Araújo Bueno

Para Eustáquio Gomes,colunista das quartas, colega neste De Chaleira que completa sete meses hoje, sem prosa fiada.


Depressão é a quarta da semana
Espremida entre uma segunda terça
E outra quinta que profana
A sexta em que a precipita.

Vem de pressão em pressão, decaída.
E cai, despenca; rebenta balaio consumido.
Precipitação de um fora para o fundo
Liquefeito na evasão insana. Um Sancho
De Quixote prescindido.

E emenda vazios com vazio não cerzido.
E no frio, respinga ainda suor na agenda,
Comprimindo risco, cuspe e fato
Num garrancho esquartejado.
Compreensão? Coisas da vida? Não!
Depressão é a letra tremida.

11 julho 2010

As crianças da Praça da Sé

por Cássia Janeiro

Naquele banco há uma
Mancha.
Disforme, em meio à inocência e à cola,
Ela ri
O riso dos famintos,
O riso sujo
Nosso de cada dia.

Crianças criadas
Pela rua,
Crianças crescidas,
Não nascidas,
Crianças mortas
No ventre nosso.

10 julho 2010

It's The End Of The World As We Know It (And I Feel Fine)

Por: Paola Benevides
Quererei o fim do mundo para esta noite. Sim, ele se fará antes de mim. Já vim arrumada em malas e com pele à flor. Há escombros por toda parte, mas a arte se mantém perversa a operar milagres. Espero meu fígado suportar as absorções desmedidas do néctar anti-dor. Transpiro pérfida fedentina alcoólica em movimento de translação sem Terra. Que meu peito já pulsa e pula aos sons que tocam lá fora. Absintonizada com o desmundo novo que virá. Virado ovo. Pois desbunda o infinito.

08 julho 2010

TROVA



Por Marcelo Finholdt



Vi seu cheiro bem aqui,
Pois tecia em dias puros
E, na seda eu escrevi
Mil versinhos mais maduros.

07 julho 2010

DIÁRIO DO NÃO-LIVRO

DIÁRIO DO NÃO-LIVRO

Por Cecília Prada

Que assim se fará, me digo, a mão deslizando no papel antigo reencontrado, diário de liberação do micro, diário de deixar-me ir (vir), ser, não-ser, catar/coçar, mas dizer - da dor da madrugada em que acordo ainda com a coluna massacrada da véspera e vou me perdendo nos túneis da insônia.

O Diário de um Não-Livro é a liberdade. É pegar as pontas esgarça-das do ser, minhas talagarças, fios soltos, capinzal. Uma personagem de Clarice também dizia: “Meu enleio vem de que um tapete é feito de tantos fios que não posso me resignar a seguir um fio só : meu enredamento vem de que uma história é feita de muitas histórias”.

Isto sou eu, meus escritos, a perplexidade. O que é escrever - a per-gunta eterna, que não se responde, só se desfaz: no rabisco. Mas eu amanheci inventando a liberdade, a descoberta do Não-Livro que se faz sempre, obscuro e destravado em nós, se processa. E de repente em um dia, mais uma madru-gada chuvosa, e acordando em dor: que é preciso prestar um ouvido a esse Não-Livro em nós, aquele que, por primo pobre e sombrio, rejeitamos - porque ele é o verdadeiro, é o rascunho do Ser e o Ser é sempre rascunho, pobre, esfarrapado, e glorioso também, mas de glória solitária, o resplendor na noite - o dom das madrugadas. E o resto, é academia de letras. E João Guimarães Rosa dizendo, no seu último discurso, na posse da Academia Brasileira: “Mas o que o homem é‚ depois de tudo, é a soma das vezes em que pôde dominar em si mesmo a natureza. Sobre o incompleto feitio que a existência lhe impôs, a forma que ele tentou dar ao próprio e dorido rascunho” e assim me redescubro, um eu-menina, Cecília com seu caderno, a hoje grisonante estafada senhora, o freio nos dentes, o olhar numa súplica última : o Caderno, nos dentes. Duas pontas.

(O Não-Livro, sim, que é coisa de esconsos e parênteses, está desperto em mim nesta recém-manhã e me traz as coisas pelo menos da véspera, mas que saem do imenso caldo em que estiveram mergulhadas - do fluxo existencial que vem também de outros tempos, de outras vidas?) (Parênteses dentro do parênteses: já repararam como a coisa mais viva e desconcertante num texto é o ponto de interrogação que o escritor às vezes se sente obrigado a colocar ? - é um ponto de autenticidade maior. O ponto da sinceridade. É por ali que pegamos o texto, vulnerável, humano, pequenininho. E nos pegamos).

A “ficção” é sempre a ficção de que o livro se fez de uma vez só - escrito inteirinho , por milagre. Em qualquer livro de ficção, romance ou novela - a ficção é a mentira do escritor escrevendo aquele livro sem continuar vivendo sua contingência diária, seu suor/lágrimas/sangue. Como se levasse os manuscritos sobre as águas, ou sobre o ronco do terremoto - que é o desta realidade em que vivemos. Um livro sem “Nohant” – e explico: que eu sempre me dizia que um dia, quando fosse mais velha, como George Sand me retiraria para uma propriedade chamada Nohant e ficaria ali com meu cachorro, escrevendo e passeando no campo, feliz e sossegada. Mas hoje, sem sossego, sem proprie-dade alguma campestre ou urbana, e nem mesmo um cachorro que me preste um ouvido atento, só tenho em mim este livro que é Não-Livro, porque eter-namente incompleto, desatado, livro da metrópole e dos meus 350 eus, das costuras esgarçadas se mostrando obscenas, rindo um riso muito mau, derri-são - na face do todo-dia.
____________

06 julho 2010

CARTA À AMANTE

CARTA À AMANTE

Por Bia Pupin

Quando penso nisso, acredito ser brutalmente imbecil.

Gostaria de saber se nem por um segundo lhe passou pela cabeça a ideia de que nenhuma mulher teria cedido ao charme de um cara jovem e interessante, e deixado embriagar-se da desigualdade que há entre os dois, a não ser na tentativa de alcançar alguma virilidade perdida. E isso não é apenas uma interrogação.

O destino o jogou nos braços de uma ninfomaníaca que vê nele a ocasião de reencontrar sua juventude perdida? Para ele tudo não passa de uma entrega maternal. Ele a comove provoca-lhe uma espécie de pena? Que tola paixão a sua! Quanta inadequação e frustração.

Seu nome, nome de mãe, de pronúncia leve, macia, a mim indizível, tem tons de azul, rosa, mas tudo nele é pastel. Acredita que uma paixão violenta lhes abateu? A tentativa de um milagre...

O que deseja dele? Um rompimento, uma fuga, a busca do “amor verdadeiro”, ora só não deixe que ele perceba que suas conquistas são objeto de ornamento para seu hedonismo, consolo, de uma mulher frustrada e não uma paixão. Não deixe que ele saiba quem é. Que seus cuidados em doses magistrais querem um prêmio de consolação (ele- quanto romance!), afinal ficará bem mais fácil, com tudo aquilo que já sabe com seus 25 anos a mais de bagagem em sua eminente e necessária investida.

Não quero nenhuma resposta sua. Quero seu silêncio em absoluto.

Renata

05 julho 2010

Vídeo sobre Paulo Leminski: Clipping

Eu perdi o poema que ia colocar aqui hoje, ficou num arquivo .txt em alguns dos computadores que uso e, na hora de atualizar o blog: cadê?

Como estou preguiçoso pra daná e não quero compor agora, nem pegar um poema antigo, resolvi compartilhar um curta-metragem que descobri faz teeempo, chamado Polaco Loco Paca, dirigido por João Knijinik.
O vídeo é sobre Paulo Leminski, mais exatamente sobre sua passagem em Porto Alegre na década de 80. Imperdível. Veja:




04 julho 2010

PROLEGÔMENOS - Fim de Copa, não da cópula


Texto e ilustração por: Paola Benevides
Meu patriotismo esporádico
um esporão para incitar cavalos
Potros milhões correndo nos campos
Bola pisada, trocada, chute no saco
De futebol não saco nada
Hasteio bandeira feito saia
Finjo a torcer que dou o braço
Pretexto para beber feriado
Dunga vira zangado, mestre e mito
Falta cometida, o índio quer apito
Vestindo verde-amarelo a floresta
De calção adidas, com rosto de pelé
"Cala boca Galvão" pia o Twitter
Censura às avessas, sou aversa a qualquer
Mas vamos sem o ditame dessa Jabulani
Será infame se o gol d'Alemanha vencer
Terceiro Reich de volta à África do Sul
Isso se o Brasil não perder
Para as vuvuzelas dos louros
Muitos a colher

(Composto em 1° de Julho, 2010)

***


Texto e frustração por Marco A. de Araújo Bueno

SONETO IMPATROCINADO

"A bola não é inimiga, como o touro numa corrida"
João Cabral de Melo () Neto, in 'Museu de Tudo'


Contrariando o João Cabral
Jabulani é inimiga!
(Vida própria, essa boçal?)
Qual um touro na corrida;

Nesta Copa surreal,
Vuvuzela faz babel-
Ensurdece o ‘keeper-goal’;
Jabulânico escarcéu.

Oito gomos, muita franja,
Voa a esmo, sobe a mil !
(Não à toa deu ‘laranja...)

Jabunela-vuvulanja,
Que só mela e entorna a canja:
- Fique à puta* que a pariu!


{*- Empresa sob cujo patrocínio nasceu a bola Jabulani}

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Revanche lúdicoprolegômeno
por Luiz Contro

Lá na casa da vizinha
o Finholdt pede bola
mas na copa ou na cozinha
ela dribla e só enrola

***
por Luiz Contro

no seu campo e nesta lida
futebol tem sua beleza
mesmo com bola perdida
quando provoca tristeza

03 julho 2010

COMO PAREI DE ME PREOCUPAR E APRENDI QUE UMA FICÇÃO É UMA FICÇÃO QUE É UM DOCUMENTÁRIO

Terra. Los Angeles. Novembro, 2018. Zona do passado, de ruas cheias, sujas, pintadas em néon, dominadas pelos exilados do presente, imigrantes, indigentes, doentes, empilhados entre gigantescos arranha-céus abandonados, vazios.

Que venha o super-homem! Mais forte, mais ágil, com seus olhos reluzentes, filho do homem. Que venha cegar seu pai, Édipo, que dormiu com a própria mãe, a natureza, mas só lhe deu quatro anos de vida, para serem vividos ao máximo, porém a desaparecerem como lágrimas na chuva. Que venha e veja a cidade com seu céu em chamas!

Quando a humanidade foge para o novo oeste, para o novo presente, deixa para trás seus filhos a nadarem na nostalgia de fotos em preto e branco, num passado inexistente, a gritar por um futuro que nunca virá. O super-homem nasce, mas nas mãos do homem, vira um produto, vira seu soldado, seu assassino, seu operário, sua prostituta. “Enjoy… Enjoy Coca-cola!”

Blade Runner é um  documentário do diretor Ridley Scott, baseado na obra Do Androids Dream of Eletric Sheep? do escritor Philip K. Dick. Um documentário? Sim, pois narra uma história de forma realista a partir de um certo ponto de vista. Um filme que tem como único objetivo documentar uma narração ficcional. Documentando-nos alguns dias na vida de um caçador de andróides no ano 2018, a partir, é claro, do ponto de vista do escritor Philip K. Dick e do diretor Ridley Scott.

Segunda Guerra Mundial. Entrevistemos um soldado alemão, ou um soldado americano, ou um sobrevivente de um campo de concentração, o que teremos? A realidade? Não, pois o real não é composto meramente de uma narração de eventos sob um específico ponto de vista. Todo o narrado, não importa o quê, será meramente uma ficção, um produto de um certo ponto de vista do seu narrador, construído a partir de uma específica linguagem, sua memória, que nunca pode chegar a domar totalmente a realidade, nem sequer ser depois traduzida para outros meios definitivos, que a tenham tentado documentar. Mas, e um vídeo, uma gravação original dos campos de batalha, pode registrar o real? Não, pode registrar uma imagem, uma imagem a vinte e quatro quadros por segundo, um mera sombra do real, um documentário a ser ficcionalizado por seus espectadores, que a interpretarão de formas múltiplas, nunca entrando em contato com a realidade da situação.

Nunca poderá a realidade ser registrada, sua aura sempre nos será uma ficção distante, inatingível, uma nostalgia a nunca nos recompensar com a verdade, a viver unicamente nos sonhos eletrônicos de Proust. Pode mais um Spielberg com seu Saving Private Ryan chegar a guerra, as naves em chamas na constelação de Orion, que qualquer documentarista que se diz capturar o real, pois ele limita ao máximo seu âmbito de captura, registra uma missão, certos homens, por certos dias, por certos caminhos, por certos motivos, registrando ações e não narrações. Quem sabe, chegando até mais longe com Schindler’s List, em que tenta capturar não fatos, mas suas próprias emoções, sentimentos, sobre a guerra, podendo, assim, muito bem capturar uma parcela diminuta do real, sua própria, traduzindo-a com absoluto sucesso ao espectador, com sua menininha de vermelho dançando para o idoso de vinte e cinco anos.

Viver com medo é viver como um escravo, é viver sabendo que o presente logo deixará de ser, é viver unicamente com o constante suporte do passado, de fotos fabricadas que nunca guardarão a realidade, a esperar eternamente o galopante unicórnio de papel. O passado é a prisão dos sem presente, o refugo dos sem futuro. Registramos o que temos medo de perder. Assim, registramos a vida de um caçador de andróides no ano 2018, porque temos medo de perdê-lo, o super-homem de vida curta que se acredita homem, que faz o trabalho dos homens, e caça seus próprios irmãos, estes que não conseguem se cegar a verdade e, mais que tudo, querem viver, querem muito mais que só o passado.

Queremos um super-homem preso a imagens sem vida, se acreditando homem e friamente executando àqueles que gritam por um presente. À nós é vendida a prisão, e somos nós que a aceitamos sem um sequer questionar, é um triunfo da total falta de vontade, com belas coreografias em massa dirigidas por Leni Riefensthal. Enquanto a barba do judeu de Veit Harlan cresce na prisão, os dentes brancos de Kennedy fazem contraste ao suor transbordante de Nixon, o operário sem dedo chega a presidência, e nós, questionados pelo general, dizemos nossas procedências: Berlin, Nova York, Tókio, Rio de Janeiro, … “Enjoy… Enjoy Coca-cola!”

Somos acordados pela manhã por dois replicantes, a nos acusarem de culpados, fingimos não saber o porquê, consideramos-nos presos num absurdo que não criamos, e sem coragem para encarar a verdade, a realidade, acabamos por cometer suicídio na fronteira franco-espanhola, murmurando num último suspiro “Rosebud, Rosebud, …”.

Nunca entendemos o porquê do constantemente subir da ponte, sempre a voltar, a reiniciar no mesmo ponto do passado, carregando consigo, nossa última grande esperança, nosso pobre unicórnio de papel, reduzido então a uma carcaça morta.

O fascismo do passado impera, encontrando seu máximo afluente na mídia audiovisual. Somos agredidos diariamente por um eterno repetir, uma eterna nostalgia pelo que foi, e nunca pelo vir-a-ser. Resta-nos esperar a aposentadoria, beijar nossos pais, esmagar seus olhos, fingindo que destruindo um produtor de imagens, destruiremos todos. Por fim, resta-nos salvar o homem, contar-lhe nossos feitos completamente inimagináveis, para morrermos enquanto nossas lágrimas somem na eterna chuva. Enjoy…

Enjoy Coca-cola!

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