18 dezembro 2010

A FELICIDADE NÃO SE COMPRA

Natal, data em que as pessoas se juntam para comer e fingir que não estão sozinhas, um homem vai ao cinema ver A felicidade não se compra de Frank Capra. Vai para sentar no escuro e no ritual do templo do cinema, rever seu ano e todos as tragédias e conquistas por quais passou. Sua face é sólida, sem sorrisos e sem lágrimas. Vem um grito de longe: “Corta! Corta!” Acende a luz, aparece Orson Welles. “Está tudo errado! Você não entende as motivações do seu personagem! Ele não está anêmico a tudo, está no processo de cometer um assassinato e reviravoltas tomam seus pensamentos.” “Hum… isto não está no roteiro! Aqui só diz que ele não se via um ano atrás onde se encontra agora e está transtornado por isso, por todos os caminhos que não deveriam ter sido. Diz que por todo o seu ano passou de papel em papel, sem nunca parar um segundo para descansar e parar de interpretar algo que não é.” “Exato, não acha que alguém assim está a beira de cometer um assassinato?” “Não, pois não está aqui escrito e fui só contratado para interpretar o que está escrito!” “Chega, chega, você não entende nada! Vamos tudo de novo, e faça agora certo!” Apaga a luz, Welles grita “Ação!”. O homem ainda olha para a tela com uma face sólida, cansada de mais para correr atrás da possibilidade de uma felicidade, ou reagir ao aproximar de uma nova tragédia. Welles irritado grita mais uma vez “Corta!”. Depois entra em cena, senta-se na cadeira atrás do homem e grita “Ação!”. Roda mais uma vez o filme, e o homem o observa da mesma maneira. Porém, dessa vez, Welles se levanta de sua cadeira e com o roteiro em mãos, o afunda na cabeça do homem, repetidas vezes, até o matar. O homem fora finalmente assassinado. O som de palmas solitárias toma o cinema, a câmera faz um traveling para algumas cadeiras à frente dos dois, e pára ao encontrar Oscar Wilde, virado, observando a situação: “Fabuloso! Fabuloso!”. Welles mais uma vez grita: “Corta! Chegamos finalmente a epifania do filme, agora precisamos de um novo ator. Chamem-no!” Entra Klaus Kinski. Wells grita mais uma vez “Ação!”. Kinski anda pelas cadeiras do cinema até chegar a cadeira com o cadáver do homem sem nome, empurra seu corpo para o lado, sujando suas mãos de sangue e senta em seu lugar. Passa as mãos no rosto, o pintando de vermelho, e fala virando para a câmera “O amor é a salvação! Por que estou sozinho? Não sei. Mas pretendo violentar o mundo até descobrir.” 

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