10 outubro 2010

TIVE UM SONHO ESTRANHO - PARTE 2

[CRÉDITOS PARA ILUSTRAÇÂO NA PARTE 3, DIA 12]



TIVE UM SONHO ESTRANHO -continuação

Por Marco A. de Araújo Bueno




Quando nos deparamos com a afirmação de que o sonho cumpre uma funçãopsíquica, via de regra, nos surpreendemos. Afinal, para que serviria sonhar com, digamos, um homem com cabeça de borracha; ou com uma cobra, além de aproveitar para fazer uma fezinha no bicho? Pois bem, Freud (1972) afirma ser o sonho “... a via régia para o inconsciente...”. Nós, psicanalistas, gostamos de contar com isso. De fato, contamos; e isso movimenta o pêndulo do afloramento das significações no contexto da relação com nossos pacientes. E fora deste contexto mais específico, para que serviria esse monstro horrendo que invadiu com sua horripilante e grotesca figura o mais íntimo do meu recolhimento – o meu sono
Bem, para início de conversa, ele não invadiu, foi, pelo contrário, convidado a, se instalar e cumprir toda uma alegórica tarefa. Ele aí estaria para representar algo que me aflige, sem que o perceba com nitidez, mesmo em vigília. Não se trata de uma equivalência de símbolos, mas de uma complexa linguagem cifrada dentro da qual, no exemplo da cobra, acima mencionado, eu poderia estar aflito com alguém ou alguma situação que me “cobra” isso ou aquilo. Também não se trata de alguma alucinada sopa de letrinhas; ainda que analistas ditos “lacanianos” sublinhemos que o inconsciente se estruture como (ao modo de) uma linguagem.
Para não adicionarmos alguns complicadores de natureza teórica, recorro ao
discernimento poético de Borges (1976) o genial escritor argentino, quando comenta [Coleridge2:] “... as imagens da vigília inspiram sentimentos, ao passo que no sonho os sentimentos inspiram as imagens (...). Se um tigre entrasse neste quarto, sentiríamos medo; se sentimos medo no sonho, engendramos um tigre.” Ou seja, para entender ou digerir uma aflição ou um medo que, evocado por uma determinada experiência de vigília (“resto diurno” como a definiria Freud) sobrevenha em pleno sono, para continuarmos descansando pelo sono “... podemos projetar o horror sobre uma figura qualquer, que durante a vigília não é necessariamente horrorosa.” Eis aí a forma que encontrei para convencer pacientes a superar o embaraço inicial do “estranhamento” causado pelos sonhos e passar a anotá-los.
Alucinatórios que sejam sempre trarão à consciência a preciosa dinâmica inconsciente subsumida pelos nossos mecanismos psicológicos de defesa. Se não os anotamos, o Inconsciente os “apaga”. Supondo agora que se desmistificadas algumas idéias errôneas a respeito do assunto, reste esclarecer aqui o próprio estranhamento experimentado ao acordarmos após um sonho dito...’estranho’.

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