06 outubro 2010

TIVE UM SONHO ESTRANHO - PARTE 1


ILUSTRAÇÃO: Por Alan Carline


TIVE UM SONHO ESTRANHO – I

Por Marco A. de Araújo Bueno

Área temática: Estudos Piagetianos & Psicologia Genética e Educacional © ETD. Educação Temática Digital, Campinas, v.7, n.1, p.107-111, dez. 2005 – ISSN: 1676-2592. UNICAMP/2006


É curioso como esta expressão precede quase sempre a narrativa de um sonho! Mesmo com pacientes acostumados a sessões de análise onde se procura, depois de minuciosas explicações introdutórias, “desconstruir” essas engenhosas e intrigantes formações da alma.

Não é por falta de espírito científico também, que emprego aqui esta palavra; ela foi eleita pelo Dr. S. Freud para designar o teatro das operações dos fenômenos psíquicos.

Não esperem cientificidade destes meus comentários. É que proponho apenas, enveredarmos juntos pelos fascinantes meandros da cotidiana função de... sonhar.

Não queira, leitor pragmático, convencer-se de que não sonha; nem, leitor romântico, confunda o sonhar com almejar ou idealizar. Como já estabeleci antes, trata-se apenas de uma função psíquica, imprescindível à saúde da alma, tal como o dormir o é para a saúde do corpo!

Retomando o emprego da palavra alma, originalmente proposta pelo pai da Psicanálise, é interessante constatar que, foi por ocasião da enlouquecida investida nazista, quando não só os judeus e homossexuais foram perseguidos, mas, também as idéias “exóticas” e a obra de Freud, que estas, entrincheirando-se na Inglaterra e fugindo da fogueira foram revestidas por um criterioso e “mentalista” manto de cientificidade, dando origem às difundidas palavras anglo-latinas “ego”, ”id” e “superego” em lugar de “eu”,
”isso” e “supereu”.

É, portanto, da sua e da minha alma cotidiana que nos ocupamos em desvendar. Menos , em tratar aqui com um prudente afastamento do divã. A propósito, quando o Dr. Freud percebeu que, a julgar pela indiferença e desprezo da comunidade científica da época por seus achados teóricos, estaria pregando no deserto ou falando às paredes que deslocou o eixo de sua escritura, voltando-a humildemente em direção ao grande público ávido, desde sempre, por conhecimentos dessa natureza. Fracasso de crítica (pelo menos, da academia médica) estouro de vendas, o seu “Die Traumdeutung” dobrou o novo século festivamente acolhido pelo leitor leigo, tal como aconteceria com um outro texto fundamental para a Psicanálise. Citei o nome do primeiro em alemão em vista da duplicidade e abrangência de sentidos: "A interpretação dos Sonhos” sugere tanto que os mesmos sejam passíveis de interpretação quanto que funcionem como chaves de interpretação da própria vida anímica, ou seja, da alma literalmente – “seelen" (alma) e “lebens" (vida, existência).

Era esta a idéia: os sonhos podiam interpretar ou lançar luzes sobre os subterrâneos da motivação humana. Esta obra é amplamente apontada como sendo a certidão de nascimento de uma nova teoria e prática clínica que atravessou todo o século XX, ora mais encastela da nas ortodoxias excludentes das Sociedades Psicanalíticas, ora banalizada nos manuais da cultura de massa ou até despersonalizada pela Psicologia do Ego norte–americana. Entretanto, foi assim que a genialidade da obra sobreviveu ao impiedoso vaticínio, segundo o qual, a teoria de Freud continha elementos relevantes e originais; porém o que tinha de original não era relevante e o que era relevante não tinha originalidade.

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