27 outubro 2010

BILHETE

BILHETE

Por Cecilia Prada

Acho que desta vez me perdi de vez - mesmo. Ainda estou caminhando mas está ficando escuro e frio – os que têm notícias de mim me avisem por favor, se me virem passar. Se souberem por onde fui. Os que possuem algo de mim – corpo carnal que dei aos filhos, espírito que dei aos meus escritos, pedaços de mim que se esgarçaram e perderam, voaram, tênuemente desfeitos nos por-aí, me digam, por favor, aonde, catem fios dispersos, lantejoulas, sofrimentos – e minhas risadas, sim, por que não?
E me tragam, seus pedaços,para que eu possa, precariamente, me recompor. Talvez. Meu vestido de pintinhas azuis, estão lembrados? - deve haver alguém, solitário e final, dele lembrado. Minha saia vermelha que eu brincava de saia cigana, me rodopiava nela, e a blusa de organza branca, de babadinhos, e o primeiro caderno de capa xadrezinha que eu amei mais que a todos meus namorados – psiu, não digam a ninguém, não digam. Me tragam, se virem fragmentos deles no pisar dos anos muitos, esfrangalhados – quem, os namorados? os versos que lancei ao vento, as contas de um colar verde arrebentado ?
E se alguém tem a certeza , mas eu digo certeza mesmo, da razão de nosso viver -ah, que me diga logo, loguinho, por favor. Que não tenho mais tempo de ficar esperando começar o baile que não houve.
“Esperei toda a vida que me abrissem a porta/ ao pé de um muro que não tinha porta” – disse Fernando Pessoa.
(Os poetas mortos sempre nos ouvem. E como respondem).





Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails