25 maio 2010

DANDO TEMPO

Pode narrar-se o tempo, o tempo em si mesmo, como tal e em si? Não, na verdade seria uma empresa louca. Uma narração onde se dissesse: «O tempo passava, fluía, o tempo seguia o seu curso», e assim por diante, nunca um homem de espírito são poderia considerá-la história. Seria mais ou menos como se alguém tivesse a ideia barroca de manter durante uma hora uma e a mesma nota, ou um só acorde e quisesse que isso fosse considerado música. Porque a narração parece-se com a música no sentido de que ela «realiza» o tempo, «enche-o convenientemente», «divide-o» e faz que «se passe qualquer coisa nele», para citarmos, com a melancólica piedade que se devota às palavras dos defuntos, algumas expressões habituais do saudoso Joachim, palavras que foram proferidas há muito; nem sabemos se o leitor dá claramente conta de quanto tempo se passou desde que foram pronunciadas. O tempo é o elemento da narração, assim como é o elemento da vida: está-lhe inseparavelmente ligado, como aos corpos no espaço. O tempo é também o elemento da música, a qual mede e divide o tempo, tornando-o, simultaneamente, interessante e precioso, no que, como já foi dito, se assemelha à narração que, ela também (e de maneira muito diferente da presença imediata e brilhante da obra plástica, que só está ligada ao tempo como corpo), não é mais do que uma sucessão, é incapaz de apresentar-se senão como uma fluência, e tem necessidade de recorrer ao tempo ainda que tente ser inteiramente presente num dado momento.

Thomas Mann, in Montanha Mágica
{A propósito de duas novas colunistas no De Chaleira, uma na prosa - Cecília Prada, outra na poesia - Cássia Janeiro; da maturação que essas respectivas temporalidades requerem...}

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